segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Meia noite e um


Eduardo tinha o costume de nunca chegar na hora certa. Olhou o relógio, que marcava meia noite e um. Droga, entrou atrasado no novo ano.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

O fim está próximo



A notícia veiculada na TV às 16h15min mal havia durado 5 minutos e o caos já se instalava nas ruas da cidade. O máximo que Beto se limitou a fazer foi se levantar do sofá e fechar a janela para tentar abafar o som das pessoas que corriam desesperadas lá fora.

“Pelo menos não vou ter que trabalhar hoje”, pensou irônico. Roberto beirava a casa dos quarenta anos e seu porte físico lhe rendera um trabalho meia-boca como segurança noturno em uma loja de departamento, dividindo seu tempo também como escritor amador e preguiçoso profissional.

“Será que não é mais uma piadinha de mau gosto?”, foi a segunda coisa que pensou, dessa vez sem ironia. “Se for, já estou rindo por dentro.” Levantou-se quase se arrastando e foi checar os sinais. A televisão, que há pouco anunciara o desastre, exibia apenas sua monótona tela azul, o celular sem rede disponível. Não teve ânimo em verificar o sinal da internet, dada a situação do telefone completamente mudo.

“Então é mais ou menos assim que começa o fim do mundo”. Se jogou no sofá novamente e respirou fundo. Se sua família estivesse próxima talvez se sentisse tentado a procurá-los, dizer coisas como eu te amo e sempre fui feliz com vocês, mas um pai alcoólatra e uma mãe submissa não lhe inspiravam esse tipo de compaixão, mesmo se morassem na casa ao lado.

Falando em casa ao lado, Beto se deu conta de que não sabia nada sobre seus vizinhos. Um velhote morava na casa da direita, disso tinha certeza, pois o cumprimentara um par de vezes acenando a cabeça quando se topavam na rua de frente. Já na casa da esquerda, não fazia ideia. Enquanto se dirigia à cozinha, arriscou-se em afastar a cortina e olhar para a casa desconhecida. Parecia calma, até mesmo deserta. E isso faria diferença agora?

O grandalhão abriu a geladeira, deixando com que a luz amarelada penetrasse na penumbra do ambiente. Correu os dedos entre garrafas de água, um tupperware com o almoço de três dias atrás (nem se daria ao trabalho de jogá-lo fora) e pegou as únicas três latas de cerveja deixadas ali de canto, voltando para a sala, agora um pouco iluminada.

Ele achou, pelo menos, que beber era a melhor coisa a se fazer antes da morte. Beber e trepar. Mas dadas as possibilidades se ateria apenas à primeira opção; não iria se satisfazer sozinho numa hora dessas – faltava inspiração e vontade. A cerveja descia gelada e amarga. Talvez devesse fazer algo grandioso, que ficasse na história, ou fazer alguma coisa que sempre teve vontade de fazer, mas que não se arriscara até então. Deixar a barba crescer, terminar de escrever um dos seus romances (quem sabe não tivesse sido famoso?), saltar de paraquedas, fazer sexo sem camisinha, ganhar na loteria, arrumar um amor verdadeiro. Mas talvez não tivesse tempo para isso tudo. Quanto tempo o mundo ainda teria? Pena o sinal da TV ter se extinguido antes de obter essa informação.

Já com a segunda cerveja na mão, olhou para a escrivaninha que também ficava na sala. Um monte de papéis empilhados, alguns até amassados. Sempre tivera preguiça para organizar – não só os papéis, mas também suas ideias. Queria ter se dedicado mais, lido mais. “Dinheiro pode ser tirado de você, já sua cultura não.”, ecoava a voz de um dos professores do curso de Letras que não chegou a concluir. O que seria do dinheiro e da cultura agora? Obliterados.

Se sentou em frente a um dos papéis em branco. Quem sabe pudesse escrever algo inspirador, que ficasse gravado na memória ou no tempo que tinha pela frente.

O fim está próximo.

Foi o que escreveu, mas parecia não ter se convencido.

O fim está MUITO próximo.

Pronto. Melhor do que nada. Algumas palavras, ainda que desconexas e com péssima caligrafia, são melhores que uma folha em branco. Seria esse o título ou uma parte do texto? Sua cabeça começou a doer e decidiu parar de escrever. O tempo estava correndo e não queria desperdiçar seus últimos momentos.

Sentou-se novamente no sofá em companhia da terceira cerveja. Sem opções, pôs-se a imaginar como seria o fim. Um show pirotécnico de destruição em massa? Gostaria que fosse rápido e, de preferência, sem sangue. Não podia com sangue e ver tudo manchado de vermelho na hora final seria um tanto quanto desagradável.

“Cadê esse fim do mundo que não chega logo?”, pensou irritado. Roberto estava entediado, e tão perto do fim. Não queria mais trabalho, escritos, família, vizinhos. Aquele era o momento certo para ele, o momento em que finalmente parecia se encaixar. O local continuava apenas com a fraca luminosidade da geladeira aberta na cozinha. Três latas de cerveja jogadas no chão. Um homem jogado no sofá, agora chorando. O que mais temia ia acontecer: estaria sozinho no fim.

Beto enxugou as lágrimas, que homem não chora nem em uma hora dessas. “Será que dá tempo para uma mijada?”, falou consigo.

Enquanto caminhava para o banheiro, o relógio pregado na parede acima do umbral do corredor marcava exatamente 17h15min. Então tudo se apagou.

Não, não dava mais tempo.

domingo, 4 de novembro de 2012

Buraco no peito


Ainda não estou bem. Talvez só fisicamente bem. Mas aqui dentro ainda tem um buraco bem grande, um buraco em meu peito. Não acho que isso vai passar, mas vou saber colocar algo em cima para disfarçar. É isso que fazemos com buracos que não podem ser tampados.

domingo, 28 de outubro de 2012

Nota de jornal



Hoje uma nota no jornal me lembrou de você. Quase ninguém deve ter visto. Ele vinha espremida entre a notícia de uma cara que foi preso por ter sido confundido com um criminoso americano e uma reportagem sobre aumento de impostos. Ela parecia bem perdida ali, deve ter passado quase despercebida ao editor.

Falava sobre Cusco e a escuela cusqueña. Você sempre teve grande paixão por ambos, a cidade e arte em geral, e era apaixonante te ouvir falar sobre isso. Tenho um livro grande aqui na minha estante e é por ele que conheço Cusco – a cidade turística, não a do seus olhos. Aquela pequena nota de jornal me fez lembrar de muita coisa e, enquanto eu apertava os olhos para enxergar as letras tão miúdas, algumas gotas umedeceram sem querer o papel, desmanchando mais uma lembrança.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Mãos de Tinta




Se minhas mãos fossem de tinta, meu papel seriam muros, telas urbanas pedindo uma chance, e minhas cores – displicentemente colocadas – seriam história.

Um sujeito, atrasado para o trabalho, não resistiria a parar e olhar a tinta que ainda pulsava, seguindo o ritmo das batidas do coração do muro-mundo. Quando não é possível entender, você se resigna a sentir e deixa que seus olhos naveguem.

Se meus dedos fossem pincéis, minha arte seria imediata; não me engasgaria com vírgulas e verbos. Todas minhas ideias refletiriam traços, ainda que abstratos, sobre uma parede abandonada. Se minhas mãos fossem de tinta, jamais secariam.

domingo, 30 de setembro de 2012

Branco e Vermelho



Você tinha essa estranha fixação por coisas brancas. As toalhas, os lençóis, tapetes, cobertores, louças, sofá, travesseiros, dentes, pele. Mas o branco é revelador e amedronta; o branco não esconde nada. Como você poderia ter obsessão por uma coisa tão diferente de você, eu pensava.

De tão alva, sua casa não era muito convidativa. Não me sentei, nem me enxuguei, mal andei de um lado para o outro. Quando entrei fiquei quieto, em pé em um canto, sem mover muito os pés, com medo que qualquer grão de poeira se soltasse do solado do meu sapato e me denunciasse nos azulejos claros da sua sala de estar.

Tudo exalava limpeza e o cheiro de alvejante queimava meu nariz. O branco precisa sempre estar limpo. Subi as escadas em direção ao quarto buscando refúgio, mas não me atrevi a deitar na cama. Houvesse qualquer ruga ou sombra no lençol meticulosamente estendido e você não me aceitaria mais ali. Me senti perdido. Não havia para onde fugir, era um labirinto de pureza e perfeição.

Desci as escadas com pressa. O degrau polido, porém, estava escorregadio e tudo foi tão rápido que não consegui me segurar. Um borrão branco passou depressa pela minha vista e tudo ficou preto. Minha cabeça se chocou com força na parede, manchando tudo de sangue. Me desculpe, eu não queria sujar nada, eu juro. Sei que se irritará quando chegar e ver que, além do branco, agora há vermelho por toda parte. E miolos.

Mesmo que você limpe com afinco, sempre haverá uma mancha ali. Os convidados que trouxer a olharão e pensarão que aquela parede um dia deve ter sido bela sem aquela mancha. E você, sempre que for subir as escadas, tentará desviar o olhar, mas um pedaço de mim continuará ali, colado à sua parede, ainda que evite pensar nisso. Isso é o que restou de mim, uma mancha vermelha na sua parede branca.

domingo, 23 de setembro de 2012

Anos


Vão-se os anos
                   pouco me resta
     embaixo dos panos