quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Tempos insaciáveis


O casal ainda estava deitado na cama. Peles suadas, peitos arfando, em busca de ar. Tudo fora tão mágico... mas tão incompleto; mesmo quando ele estivera dentro dela, como há pouco. Faltava algo, precisava de mais, cada vez mais.

Por alguns segundos, de olhos fechados, ela se transportou dali, o ritmo do corpo voltando ao normal. Lembrou-se de outros tempos, tempos de menina, em que apenas um beijo era suficiente.

Por que não se entregar a outros? A vários? Talvez se sentisse completa, preenchida. Não. Ela não era assim. Deixaria a canalhice reservada apenas ao sexo masculino.

Despertou do transe com a respiração forte de seu homem adormecido ao lado. Aconchegou-se nele e numa prece quase infantil só conseguia repetir baixinho: “Por favor, seja o suficiente! Por favor, seja o suficiente!”, antes de cair no sono também.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Abismo


Tudo aconteceu por acidente, um tropeço.
E então caiu
        caiu
        caiu
        caiu
        caiu
        caiu
        caiu
        caiu
        caiu
        caiu
        caiu
        caiu
        cai
        ca
        c
        caiu e nunca mais se encontrou.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

O imortal esquecido


A busca pela imortalidade deixara o ex-coronel e ex-boêmio Alexander Rubemberta exausto em demasia. Não se lembrava mais de família e amigos e estes com certeza não se recordavam de quem ele era (ou foi).

O dia teimava em não passar e o céu estava paralisado, tingido de laranja como se o pôr-do-sol durasse horas. Parecia eterna a escalada que Alexander Rubemberta fazia para chegar ao cume da Montanha Aurora, sentindo o ar rarefeito e a brisa congelando seus ossos velhos.

No topo, encontrou a velha cabana que imaginava encontrar, a grande pedra que imaginava encontrar, mas um ancião do qual não fazia ideia de sua presença; este último fato, entretanto, lhe trouxe um lampejo de esperança.

– Meu senhor, eu conseguirei? – Alexander Rubemberta perguntou esbaforido, sem saber com que nome tratar o velho homem, e caiu aos seus pés.

– O sol há de nascer amanhã?

O ex-coronel e ex-boêmio não disse nada. Sim, o sol nasceria amanhã, mesmo que o dia fosse nublado.

Com dificuldade se levantou e ambos caminharam até a grande pedra, que parecia ser maior ainda do que anteriormente descrita.

O ancião retirou pequenas ferramentas do bolso de sua túnica, ajoelhou-se e começou a talhar a pedra. Não demorou mais que poucos minutos.

– Pronto. És imortal agora. – o velho disse levantando-se e indicando o local na pedra em que acabara de gravar o nome do recém-chegado.

Alexander Rubemberta aproximou os olhos e viu seu nome bem pequeno na pedra tão imensa; e não era só isso. A pedra estava coberta de nomes, milhares ou mesmo milhões deles. Agora ele também era um imortal,como todos os outros.

– Venhas, imortal. Tomarás um chá comigo.

E os dois desapareceram dentro da cabana.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

O quase-amor-dividido


Mais um daqueles beijos doces e eu não sabia quanto tempo eu poderia resistir. Era como um jogo... Isso! Você estava jogando comigo. “Dou mais um beijo e veremos quanto tempo ele resiste”, tenho certeza que era isso que se passava em sua cabeça.

Seu beijo me enlouqueceu um pouco e hoje me dou conta disso. Me apaixonei por sua pele alva, macia, que me faz querer tocá-la de leve com a ponta dos dedos e sentir sua eletricidade.

Eu era egoísta. Quando te fazia rir era só para ver seu rosto corando, suas maçãs tão vermelhas, parecendo ter abusado da maquiagem. Eu sorria por dentro. Você parecia um pouco frágil nessa hora. Um pouco humana, um pouco minha.

E mesmo quando você disse que tinha outro, eu não me importei. Eu precisava de beijo-doce, pele-macia, maçãs-vermelhas, sorrisos-humanos.

Eu ficaria satisfeito com seu quase-amor.
Já estava completamente viciado.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Homem de promessa



Lembro-me bem de que quando o conheci eu já sabia da sua fama de prometer coisas. Não era advogado, nem político, nem nada do tipo de ter que prometer por profissão. Alguns diziam que era de nascença, outros diziam que era hábito, alergia, falta do que fazer.

Prometia favores e sentimentos e, como criança, cruzava os dedos com a mão nas costas, desvencilhando-se de toda a culpa futura que aquilo pudesse lhe trazer. Quando se promete muitas coisas ao mesmo tempo, às vezes é difícil se lembrar. Por isso que quando prometeu me ajudar, eu dei um sorrisinho amarelo, daqueles de canto de boca, enquanto meus olhos seguiam sua mão que se escondia novamente atrás do corpo.

Acho que, assim como mentiras, as promessas também se transformam em vício. Numa segunda-feira de manhã ele percebera que havia se tornado uma doença. No espelho do banheiro olhou-se e respirou fundo; prometeu a si mesmo que não faria aquilo de novo.