quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Sobre o que você quer ser quando crescer

Seu sonho era de que, quando se tornasse gente grande, pudesse ser um famoso escritor.

E que quando escrevesse “o garoto parou para apreciar o pôr-do-sol”, os adultos mais espertos iriam analisar a semântica da palavra sol num contexto infanto-psicológico levando em conta a sintaxe da construção textual, sendo que, na verdade, ele só queria mesmo dizer que o pôr-do-sol é um momento muito bonito de ser visto e que todas as crianças sabem disso.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Inocente


Aos 10 anos de idade, ele acreditava em gnomos, leprechauns e fada-do-dente; acreditava que o porão da sua casa na verdade era um mundo secreto onde estaria protegido.

Aos 30, tinha convicção que todas as pessoas eram boas, mesmo tendo sido passado para traz algumas dezenas de vezes. Era convicto de que todas essas boas pessoas só queriam ajudá-lo e também cria cegamente no amor – mesmo nunca tendo se casado ou algo que o valha.

Aos 60, ainda se sentia incrivelmente saudável, apesar da osteoporose, bursite, rinite, labirintite, sinusite e tantas outras ites que as pessoas mais velhas costumam ter; também não achava certo pensar que seus filhos estavam roubando-o, mas apenas investindo melhor seu dinheiro.

Aos 90, foi-se com um grande sorriso estampado (e os raros dentes que lhe restavam) e o mesmo coração de 80 anos atrás, ainda tendo a certeza que o mundo sempre fora um bom lugar para se viver.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Lado Obscuro


Angélica conhecia Gabriel o suficiente para saber que seu prato predileto era macarronada com almôndegas, que não gostava de matemática, que adorava ir ao clube aos fins de semana e que lera apenas um livro esse ano – sem terminá-lo.

O que ela não sabia era que o hobby de Gabriel era esquartejar criancinhas às terças a noite.

E ela também desconhecia a origem do gosto estranho das almôndegas.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Sobre a falta de inspiração


O papel na sua frente, num branco tão branco que chegava a dar-lhe náuseas.
Essa fora sua rotina nos últimos meses, nos últimos dias, nas últimas horas, nos últimos minutos. Essa era sua rotina agora.
Ele acordava, tomava um banho rápido, bebia seu café forte e sentava-se em frente a sua escrivaninha de mogno. Ficava ali quase imóvel desde antes de o sol nascer até o momento em que lhe doíam os ossos, quando sabia ser a hora de desistir, pelo menos por aquele dia.
Com certeza é coisa da idade, ele pensava consigo ao deitar-se, num horário relativamente cedo para qualquer pessoa que contasse com a mesma quantidade de anos.
Num domingo a tarde, cheirando a camomila, a inspiração veio assim, meio discreta e tímida. Ele rabiscou rápidos pensamentos sobre a alva imensidão que se encontrava ali e deu um sorriso singelo, respirando aliviado, com aquela sensação de trabalho feito.
Emocionado, deu uma última olhada no papel.
E pronto, eis aqui o conto.

sábado, 29 de maio de 2010

Sangue na calçada



A garota nunca entendia quando seu novo amigo dizia que achava os humanos estranhos. E ela sempre ouvia isso sentada ao lado dele, na calçada da rua Rubemberta, enquanto o sol se punha.

Ela não gostava muito, pois o ato de o sol se pôr significava também que logo era hora de entrar, e era apenas nessa hora que seu amigo se revelava, e era nessa hora que seu coraçãozinho batia mais forte, e era nessa hora que escondia um pouco o rosto sob os cachos do cabelo para não deixar transparecer seu rosto enrubescido, e era nessa hora que ele chegava mais perto e tocava sua pequenina mão, e era nessa hora que ela se sentia bem feliz.

Naquele fim de tarde, os dois se entreolharam. E ela o achou tão branco, e ele a achou tão pulsante e apetitosa.

Ele sorriu um sorriso grande e branco com suas presas ainda infantis. Se aproximou da pequena e sentiu-a tremendo. Então isso é amor?, foi o que ela pensou antes de sentir uma dorzinha no pescoço, onde o novo amigo fincou os dentes pontudos e sorveu seu sangue doce.
Sugou-o com vontade até que estivesse saciado e deixou-a ali na calçada, deitada, inconsciente, enquanto o fluido ainda jorrava de sua jugular manchando o chão de vermelho... e o seu jantar esfriava na mesa da cozinha.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Reunião


Em volta da pequena fogueira, enquanto as chamas crepitavam dançantes, estavam os quatro sentados: o Ex-boêmio, que vivia das lembranças de um passado recente e dos gostos que lhe deixaram na boca; a Sentimental, que não conseguia falar quando as lágrimas invadiam seu rosto e escorriam pelo resto do corpo; a Alterada, que não permitia que lhe cortassem o assunto e muito menos lhe contrariassem e também o Inerte, que só estava ali para ouvir e concordar com tudo que os outros dissessem.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Breno, meu amigo noturno e faminto


Querido diário, sempre tive muito medo do escuro. Há alguns dias, porém, fiz amizade com o monstro que mora embaixo da minha cama e ele acabou se tornando minha única companhia durante a noite. Seu nome é Breno.

Confesso que no início fiquei com um pouco de medo sim, mas logo nos tornamos grandes amigos. Todas as noites eu, sentada na cama, jogava alguns biscoitos no chão para ele comer.

Não sei o que aconteceu, mas hoje ele anda muito agitado; pode ser que esteja com fome. Meu pai já veio umas vinte vezes aqui ver o que estava havendo, mas nessas horas Breno sempre fica caladinho.

Ai! Ele acabou de comer um pedaço da trança do meu cabelo. Não posso nem brigar, ele está certo em fazer isso, pois os biscoitos acabaram. Pode ficar com alguns dedinhos da mão direita também, já que sou canhota mesmo. Ai, ai! O braço todo? Não, já está bom. Isso dói um pouco. Isso é sangue? Aí não, Breno! Para! Eu sei que somos amigos. Tá, só mais um pedacinho então. O quê? Não, você não poder comer minh...


24o lugar no 2o Concurso de Minicontos do Estronho e Esquésito

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Diferenças


ele era do tipo Quieto Que Prefere Conversas No Parque No Fim Da Tarde De Domingo, enquanto ela era mais do tipo Que Fica Em Casa Sábado A Noite Esperando O Telefone Tocar.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

MAISQUEAMOR


Você me ama?
Não.
O quê? – ela perguntou, mas o seu o quê não era daqueles o quês que se pergunta quando não ouviu bem a resposta e sim daqueles que se usa quando não se acredita na resposta dada.
Não. – ele respondeu falando mais alto, pensando que ela não tinha entendido a primeira resposta.
...
Qual o problema?
Se você não me ama, por que ainda está comigo?
É que eu considero o que eu sinto por você muito maior que amor, só acho que ainda não inventaram palavra para definir isso.
Então inventa uma pra mim...
Er... tá. Então... eu maisqueteamo!
Eu também maisqueteamo.

E mais uma vez se beijaram.

sábado, 3 de abril de 2010


RubemBerta, 13 de abril de 1966.


Olá, pai. Estou lhe escrevendo mais uma vez para desabafar, como você mesmo disse que eu poderia fazer quando precisasse. Você sabe que desde que saiu daqui de casa, eu sinto muito sua falta.

Ando muito cansado, mas quem dera fosse canseira física ou mesmo mental. É uma canseira diferente, pai, canseira da vida, do mundo, dessas coisas plásticas.

Que saudade eu tenho de ver um sorriso sincero, que exiba pelo menos um dentinho fora do lugar, um dentinho torto, aquele que confere um charme todo especial à pessoa.

Sabe do que também tenho saudade, pai? Da fazenda, de tirar leite cedo da vaca e bebê-lo ainda espumando, saudade de tomar banho pelado no rio, do café da Naná, de andar a cavalo com o senhor, do velho rádio a pilha que tocava baixo no alpendre enquanto você pitava seu cigarrinho de palha. Desde a sua partida, as coisas mudaram muito... não apenas aqui em casa, acho que no mundo todo.

Esta é uma carta rápida, pois não me sinto bem. Ando muito enjoado nos últimos dias também e o que mais me aflige é saber que nenhum médico saberá dizer o que tenho.

PS: Gostaria muito que respondesse minha carta.

Seu filho, Fred.



O garoto selou o envelope e depositou-o ali, sobre o mármore frio, juntamente com os outros que havia colocado nas semanas anteriores e nos meses anteriores e que já estavam envelhecidos do tempo, praticamente ilegíveis. Olhou as flores mortas no vasinho e anotou mentalmente que trouxesse novas da próxima vez.

_ Até depois, meu velho. – o garoto disse baixo, sem conseguir olhar para a pequena foto que jazia ali. Virou-se e foi embora por enquanto.

sexta-feira, 12 de março de 2010

A garota-alergia


Quando nasceu, seu nome era Maria
Mas na escola sempre a chamavam garota-alergia.

Camarão e leite frio lhe causavam tontura
Chocolate e água quente lhe davam enjôo
Sua pele era pustulenta, quebradiça e dura.

À medida que crescia sua alergia só aumentava
Às vezes ficava mais vermelha que um pimentão
Não comia aipim, arroz, feijão,  jiló e nem fava.

A coitada, dia desses, quase teve um ataque
Enquanto se vestia, olhou-se no espelho
A alergia de si mesma foi como um baque.

Seu corpo explodiu em diversos  pedaços
Sangue e órgãos voaram para todos os lados
E sobre a cama restou apenas um de seus braços.





Minha singela homenagem a Tim Burton e seu pequeno menino ostra.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Tão quente

 

A gota de suor escorreu-lhe pelo rosto indo parar em um lugar desconhecido sobre seu corpo. O calor, porém, parecia emanar de dentro dele, tomando conta de todo seu ser.

o calor eram tristezas, cheiros fortes, dores, palavras duras e algumas ironias doces.

Com o sol a pino, não conseguiu agüentar nem um segundo a mais. Seu corpo foi se dissolvendo junto ao suor, e era suor, terra, ódio, todos juntos escorrendo pelo asfalto quente.

Não tardou e o garoto-derretido perdeu-se em um bueiro qualquer.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Sobre amor e dinheiro

 

"Não está à venda", foi o que ela disse quando ele perguntou quanto custava o seu amor.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

CARTA-SONHO

 

Ela não havia dormido bem. Um misto de sono, cansaço e vontade de estar acordada. O mais frustrante era que estava em um tempo que não era o dela, num lugar que também não era o dela, apesar de tudo parecer ser o mesmo.

e havia alguém que estaria lá que não existe mais aqui, mas que ela sempre havia gostado. Sei, é meio estranho gostar de alguém que você nunca conheceu pessoalmente, nem mesmo viu de relance na rua, mas ela sempre teve esse encanto estranho; não pelo que ele fazia ou tinha, mas simplesmente pelo que ele era.

Estavam na estação de metrô. Duas garotas amigas dela e alguns garotos amigos dele. Ela carregava uma bolsa pequena, sem nem saber a finalidade. Uma música tocava, mas ela não sabia identificar qual. Era dançante, pois todos se moviam ao seu ritmo. Todos dançavam. E a bolsa nem estava mais lá agora.

Depois de algum tempo, Kurt chegou. Usava um gorro azul e vestia uma roupa simples.

Dançaram um pouco junto dele, as amigas e ela. Quando a música cessou, ela disse que adorava o som da banda do recém-chegado e o tocou no peito (precisava sentir se era real).

A música voltou e recomeçaram a se mexer.

Ela conseguia sentir o calor dele e seus corpos começaram a se tocar aos poucos. Logo os dois eram como um e ela sentia dele um leve roçar da sua barba feita no dia anterior.

Viraram um pouco o rosto e os lábios se tocaram de leve... mais uma vez... e outra... e outra... no fim, se beijavam sem constrangimento. Ela achou gostoso, mas tinha o ardidinho de quando se chupa uma bala de menta. e doía um pouquinho.

A garota até pediu que tirassem uma foto dos dois juntos, mas nenhuma delas ficou boa o suficiente e no fim até a câmera havia sumido.
Até mesmo no sonho ela sabia que era um momento para ser vivido uma única vez.

Acordou estranha, com vontade de voltar e ser para sempre, mas não aconteceu. Nunca acontece assim, sabemos.

Por isso ela escreveu para mim, para que mesmo não podendo ser para sempre, ela pudesse tê-lo na mesma proporção.

e se pudesse, sonharia para sempre.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

um.

Olá, pessoas.


Após mais de dois anos no meu blog Mesmerize, resolvi abandoná-lo por uma causa maior: evolução. Eu gostava muito dele; parecia casinha do interior, daquelas pequenas e aconchegantes, que te faz querer sentar e prosear a tarde toda. Mas a casinha foi ficando velha, muito velha e então eu precisei mudar.
O Garoto e o Tempo é meu novo lar. Aqui tenho mais recursos e acho que pode ficar mais interativo, emocionante e serelepe.

Ainda continua aconchegante.
É como se agora fosse um apartamente de luxo, mas o fogão a lenha ainda está na cozinha.