sábado, 3 de abril de 2010


RubemBerta, 13 de abril de 1966.


Olá, pai. Estou lhe escrevendo mais uma vez para desabafar, como você mesmo disse que eu poderia fazer quando precisasse. Você sabe que desde que saiu daqui de casa, eu sinto muito sua falta.

Ando muito cansado, mas quem dera fosse canseira física ou mesmo mental. É uma canseira diferente, pai, canseira da vida, do mundo, dessas coisas plásticas.

Que saudade eu tenho de ver um sorriso sincero, que exiba pelo menos um dentinho fora do lugar, um dentinho torto, aquele que confere um charme todo especial à pessoa.

Sabe do que também tenho saudade, pai? Da fazenda, de tirar leite cedo da vaca e bebê-lo ainda espumando, saudade de tomar banho pelado no rio, do café da Naná, de andar a cavalo com o senhor, do velho rádio a pilha que tocava baixo no alpendre enquanto você pitava seu cigarrinho de palha. Desde a sua partida, as coisas mudaram muito... não apenas aqui em casa, acho que no mundo todo.

Esta é uma carta rápida, pois não me sinto bem. Ando muito enjoado nos últimos dias também e o que mais me aflige é saber que nenhum médico saberá dizer o que tenho.

PS: Gostaria muito que respondesse minha carta.

Seu filho, Fred.



O garoto selou o envelope e depositou-o ali, sobre o mármore frio, juntamente com os outros que havia colocado nas semanas anteriores e nos meses anteriores e que já estavam envelhecidos do tempo, praticamente ilegíveis. Olhou as flores mortas no vasinho e anotou mentalmente que trouxesse novas da próxima vez.

_ Até depois, meu velho. – o garoto disse baixo, sem conseguir olhar para a pequena foto que jazia ali. Virou-se e foi embora por enquanto.

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